Canguçu, sexta-feira, 26 de abril de 2024
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Psiquiatra Tatiana Damé: O luto e a perda impostos pela pandemia

A Psiquiatra Tatiana de Freitas Damé escreve sobre “O luto e a perda impostos pela pandemia”. Confira o artigo:O luto e a perda impostos pela pandemia A chegada da pandemia mundial expôs a fragilidade no ser humano, porque nos tocou em algo essencial e imprescindível em nossa vida: Nossos Afetos!Abruptamente foi furtado o direto e […]


A Psiquiatra Tatiana de Freitas Damé escreve sobre “O luto e a perda impostos pela pandemia”. Confira o artigo:

O luto e a perda impostos pela pandemia
A chegada da pandemia mundial expôs a fragilidade no ser humano, porque nos tocou em algo essencial e imprescindível em nossa vida: Nossos Afetos!

Abruptamente foi furtado o direto e a necessidade de expressar os afetos, não é permitido tocar, beijar, abraçar…

SOBRE AS PERDAS:
Nesse vazio deixado pela falta do toque, do contato, instala-se algo para “preencher”…  muitas vezes uma ansiedade, uma compulsão, uma tristeza sem nome… perdeu-se a autorização para abraçar quem se ama, e então como lidar com isso. As redes sociais mais ativas do que nunca, precisamos sentir a presença do outro, mesmo que virtual… buscar esse afeto, mesmo que distante e através da tela. Não é a mesma coisa, mas abranda a saudade.

Estamos “desassogados” como diria o poeta, porque o tempo todo é preciso se auto cuidar, mas principalmente cuidar para proteger os que estão próximos, cuidar para não contaminar alguém, não dá para tocar muito…

Os caminhos para se lidar com essas perdas impostas são vários. Tem muita coisa interessante acontecendo, muito conteúdo cultural está acessível e porque não aproveitar essa imposição para de alguma forma, promover o próprio crescimento… parece fácil contextualizar… mas ficar sozinho, na própria companhia pode ser doloroso e até insuportável, a ponto de nada ter graça, nada chamar a atenção exceto a lástima coletiva pelas perdas…

Essas perdas agora são visíveis, palpáveis e concretas, mas fora da pandemia também perdemos todos os dias, mas pela correria diária, pela aceleração cotidiana passa batido, agora precisamos desacelerar, não por vontade própria, mas pela necessidade.Naturalmente nesse processo somos levados a um contato mais íntimo com a nossa própria essência e com a nossa fragilidade… e as vezes pode ser difícil e bastante doloroso, vindo a exacerbar ou desencadear sintomas e doenças.

A importância de expressar os sentimentos, mesmo que de forma virtual, de poder contar com a conversa de um amigo pode ser muito válido neste momento. Buscar formas de lidar com a falta do que nos foi tirado… quem sabe até crescer com isso. E, se estiver sendo muito difícil, pedir ajuda.

Para os profissionais que trabalham na área de saúde mental, o quadro também traz surpresas, lidar com a situação traumática que se instalou de forma maciça e efervescente na sociedade. Um desafio a ser vencido e construído em conjunto, sempre primando pelo bem estar dos pacientes.

MORTE E LUTO…
A reação de cada pessoa a perda de alguém é algo muito pessoal, mas está diretamente ligada à qualidade do vínculo que existia na relação com quem partiu. Dependendo do quão forte foi esta ligação se desenvolverá o processo do luto. Se fala muito nas “fases do luto” o que não é tão simples… existe uma flutuação de sentimentos que podem variar de tristeza, apatia, choro a raiva agressividade e tantas outras expressões, esses sentimentos vem e vão, enquanto elaboramos o luto. E elaborar o luto não significa esquecer quem partiu, mas voltar a direcionar nossos interesses, nossa energia para outras partes da vida, que não só lembranças e saudades.

No início, quando se perde alguém os pensamentos se direcionam para esse fato, para relembrar os tempos de convívio, para lamentar a partida, e também a qualidade desta relação que deixou de existir externamente. A energia está voltada para esse processo, que deve ser vivenciado por mais doloroso que seja, é preciso chorar, falar e viver efetivamente a perda.

O período de luto pode variar, mas em média leva em torno de 6 meses. É o tempo necessário para que essa “energia”seja direcionada para outras áreas da vida, outros interesses e, assim continuar, mesmo na ausência de quem partiu. Certamente que não da mesma forma, continua com o significado o  afeto outrora existente na relação que não se tem mais, mas  agora internalizados na forma de lembrança.

Quando alguém próximo perde um ente querido, as vezes só precisa falar sobre isso. Comentários como “vai passar”, “não pensa mais nisso”, “está na hora de reagir”, além de desnecessários, não tem nenhuma utilidade. O que alivia é falar sobre o vazio que ficou, sobre a dor… alivia.

Lutos por períodos mais prolongados podem estar associados a outras comorbidades com Depressão, Transtorno Bipolar, T. Ansiedade, nessas situações precisarão ser tratados com psicoterapia ou medicamentos durante o tempo adequado, conforme avaliação do profissional que acompanha o paciente neste doloroso processo.

Será inevitável pelos próximos meses que todos nós, de alguma forma, passe por um período de luto. A Pandemia,que parecia meio invisível no começo, agora nos furta pessoas do nosso contato, e poderá nos furtar alguém muito próximo. Infelizmente, estamos impotentes diante do avanço de uma doença que chegou e abalou as estruturas psíquicas de todos, de uma forma ou outra. Cedo ou tarde precisaremos falar sobre a partida de alguém que nos foi caro…

Diante disso, que possamos ainda pensar na qualidade das relações que temos com aqueles que amamos, que nos podem ser furtados inesperadamente… sem aviso.

Na dimensão gigantesca desta pandemia, nossa modesta contribuição é essencial. Manter os cuidados orientados pelas equipes de saúde é a única forma, a única arma com a qual podemos lutar e tentar reduzir o impacto do que já está instalado e que, de alguma forma, nos trará perdas inevitáveis.