Canguçu, sexta-feira, 19 de abril de 2024
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VÍDEO: Livros didáticos não utilizados por escolas viram reciclagem em São Lourenço

  Livros didáticos, comprados pelo governo federal para serem usados em salas de aula do Rio Grande do Sul, vão parar em galpões de reciclagem, alguns são usados até para a fabricação de papel higiênico. Durante dois meses, a RBS TV visitou escolas de todo o estado para verificar porque há desperdício dos materiais que […]


 

Livros didáticos, comprados pelo governo federal para serem usados em salas de aula do Rio Grande do Sul, vão parar em galpões de reciclagem, alguns são usados até para a fabricação de papel higiênico. Durante dois meses, a RBS TV visitou escolas de todo o estado para verificar porque há desperdício dos materiais que deveriam ajudar na educação das crianças e adolescentes.

Em uma escola de São Lourenço do Sul, na Região Sul do estado, por exemplo, a professora de português, Maria Delfina, precisa usar a criatividade para compensar a falta de material para todos os estudantes. “Eu tenho 22 alunos. Tá faltando [livros] para cinco alunos, então eu faço duplas”, afirma.

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Os próprios estudantes afirmam que gostariam de ter um livro cada, para não precisar copiar os conteúdos, o que acaba demorando mais.

Enquanto isso, em algumas escolas há excesso de material. Em Sapucaia do Sul, na Região Metropolitana de Porto Alegre, o aluno Yagor Marrone flagrou o desperdício e gravou um vídeo: livros de filosofia, artes, química, história, todos empacotados, guardados na própria escola.

“Na minha turma, por exemplo, existe a falta de [livros de] química e biologia. E, por exemplo, a gente tem que pegar os livros de outra turma para a nossa turma, e depois que a gente termina de usar o conteúdo do livro, depois que a gente faz o aproveitamento, aí tem que pegar aqueles livros e devolver para outra turma”, explica o estudante do ensino médio.

Das escolas, os livros não aproveitados têm como destino os galpões de reciclagem. A reportagem encontrou um empresário da área que chega a coletar cerca de 80 toneladas de papel por mês em livros didáticos.

“Se não fosse trágico seria cômico né? Porque aí tu sobe no terceiro andar da escola e também encontra os livros de química que tu precisa em uma sala abandonada. Os livros estão lá abandonados, no meio da umidade, estragando. Esses que estão guardados, eles vieram errados para a nossa escola. Eles não têm o conteúdo que a gente precisa”, relata Yagor.

Em Triunfo, também Região Metropolitana, a reportagem encontrou uma sala cheia de livros encalhados, que nunca foram usados pelos alunos. A diretora, que não será identificada, afirma que o governo não recebe o material de volta. “Quando sobra, tu descarta”, conta.

Na reciclagem, parte dos livros didáticos viram matéria-prima para a fabricação de papel higiênico. Conforme o engenheiro de produção Rafael Pieretti de Oliveira, as páginas das obras escolares não têm impurezas e nem são amassadas, o que favorece a reciclagem.

O presidente da Associação Nacional dos Aparistas de Papel, Pedro Vilas Boas, observa ainda que papéis brancos são destinados para produção de outros papéis brancos. “O maior reciclador de papeis brancos é a indústria de papéis sanitários, não só papel higiênico como toalha de mão, também usa bastante esse material”, afirma.

Também pode ir para indústrias de panelas, para serem utilizados nas embalagens. Um reciclador afirma ainda que a Ceasa usa as páginas para embalar frutas.

Os livros descartados fazem parte do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Só neste ano, foram investidos R$ 2,1 bilhões, para distribuir 126 milhões de obras a 35 milhões de alunos em todo o país.

A compra planejada em 2018 beneficiou 140 mil escolas brasileiras.

Livros que não foram escolhidos

As direções de escolas relatam também que os livros enviados pelo governo federal nem sempre vêm de acordo com o pedido. Em Alegrete, na Fronteira Oeste, uma escola passou por essa situação.

“O tamanho de texto deste de português, do quinto ano, a criança nunca vai ler um texto desses”, afirma a diretora, Helena Brandolt, mostrando um dos livros enviados. “Nada disso vai ser aproveitado, com certeza”, diz.

Uma ferramenta disponibilizada pelo Ministério da Educação deveria remanejar os livros que sobram em uma escola para outra onde há falta. Os professores dizem que o sistema não funciona.

O excesso de livros é um problema tão comum que o governo gaúcho autorizou algumas entidades a recolherem os exemplares fora da validade e que sobram nas escolas. O material é coletado por ONGs.

“Alguns me doam e outros vendem direto pra reciclagem. Existem diretores que eu telefono perguntando se eles querem fazer doação, e eles dizem ‘não, nós vendemos'”, relata Yassanan de Souza Costa, presidente de uma dessas entidades, a Associação Filhos Nascidos do Coração (Afinco).

O secretário de Educação do RS, Faisal Karam, acredita que a sobra de livros acontece porque o ministério não leva em conta o número de alunos que deixaram a escola na hora de calcular as remessas para o ano seguinte. Só no Rio Grande do Sul, isso significa 1 milhão de livros a mais.

Auditorias do Tribunal de Contas da União e da Controladoria Geral da União também detectaram o encalhe de livros em escolas do Paraná e do Piauí.

“Há um risco muito grande de que esses problemas de sistema e esses problemas de controle gerencial se repliquem no país inteiro”, afirma a secretária de Controle Externo do TCU, Vanessa Lopes.

R$ 0,30 o quilo

Em média, os recicladores pagam R$ 0,30 por quilo do livro descartado pelas escolas. Um dos livros examinados pela reportagem pesa menos de um quilo e vale R$ 0,15. O Ministério da Educação investiu R$ 16 na mesma obra.

Os livros encontrados pela reportagem não vão virar papel higiênico. Doados pelas escolas e pelos galpões de reciclagem, eles foram levados de volta ao governo federal, que não pôde aceitar os materiais pois, após a destinação, eles passam a ser responsabilidade dos gestores estaduais e municipais.

O caminhão lotado, com 2,5 toneladas de livros, foi então encaminhado a ONG Bairro da Juventude, de Criciúma, em Santa Catarina, que atua na educação de crianças e adolescentes, onde servirá de matéria-prima para estudantes.

“A gente acredita que vai servir para muitas utilidades, desde trabalhos escolares, desde reforço escolar, e também pra atender as famílias da instituição”, diz o coordenador de mobilização de recursos do Bairro da Juventude, Carlos Roberto Roncaglio.

A Controladoria-Geral da União anunciou uma auditoria no Programa Nacional do Livro. O objetivo é rever o processo, desde o pedido pelos livros até a aquisição, e verificar como o sistema pode ser melhorado.

Já o Ministério da Educação informa que para o próximo ano está prevista uma campanha pelo uso adequado do livro didático.

“Esse ano de 2019 nós já fizemos algumas reformulações na plataforma e a título de exemplificação, já conseguimos remanejar 48% a mais de livros do que no ano de 2018”, afirma a diretora de Ações Educacionais da FNDE, Carine Silva dos Santos.

Informações: G1