Canguçu, sábado, 14 de junho de 2025
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Crônica: Entre sombras e luzes, o destino da guerra é coletivo

Texto do jornalista Luiz Almeida aborda a crescente escalada das tensões mundiais, apresentando a guerra como reflexo da desconexão humana com a espiritualidade, a natureza e os valores coletivos.


Vivemos acuados. Não apenas pela força bélica que desponta como sombra sobre as nações, mas pelo desequilíbrio moral que, em silêncio, mina os fundamentos da dignidade humana. Quando os homens pretendem dominar aquilo que não lhes pertence — seja a terra, os elementos ou a própria vida — rompem, com arrogância, os limites sagrados da Criação. Em tempos nos quais os desastres climáticos já evidenciam o abandono da Casa Comum, as ameaças nucleares soam como um clamor ainda mais profundo: o de que esquecemos o valor da existência compartilhada.

Lembro-me da carta atribuída ao Chefe Seattle, escrita em 1854, quando os Estados Unidos tentaram comprar terras indígenas. Em resposta, ele indagou: “Como é que se pode comprar ou vender o céu, o calor da terra?” A indagação atravessa os séculos como uma profecia ignorada. Não possuímos o ar, nem a luz, nem a paz. São bens inegociáveis, sustentados por forças que não se dobram à ganância humana, mas respondem à caridade, à oração e à consciência solidária.

Esse dias li que a Terra atravessa um tempo de transição. Um período que muitos reconhecem como de regeneração — momento em que as provações se intensificam, mas também se amplia a urgência da elevação moral e espiritual da humanidade.

Regenerar, no entanto, não é apenas sobreviver aos escombros das escolhas infelizes, mas optar, conscientemente, pelo bem. É acolher a dor do outro como extensão da própria. É substituir o instinto de retaliação pela força revolucionária do perdão. Não há evolução sem renúncia, e não há paz onde o orgulho governa.

A própria Bíblia, em sua essência, nos exorta à mansidão, à compaixão e à justiça. Em Provérbios, está escrito: “A resposta branda desvia o furor, mas a palavra dura suscita a ira.” (Pv 15:1). E o Cristo, ao ensinar sobre o amor ao próximo e a bênção aos que nos perseguem, apontou um caminho que vai na contramão da violência e da soberba dos impérios.

Nas tradições afro-brasileiras, como a Umbanda, esse chamado à reconexão com o sagrado também se expressa de forma singela e profunda. Nos terreiros e nos corações, tudo vibra em axé e equilíbrio. As entidades espirituais, como Pretos Velhos e Caboclos, não falam de ódio ou vingança, mas da firmeza serena do amor que cura. Nos banhos de folhas, nas oferendas às águas ou nas cantigas que embalam os ventos de Iansã, há uma sabedoria ancestral que ensina: é preciso escutar os sinais antes que a tempestade nos cale.

É preciso ofertar o melhor de si antes que se clame ao invisível por socorro. Diferentes doutrinas, em sua essência espiritual, convergem para o mesmo ponto: o ser humano precisa se reconciliar com a natureza, com o próximo e com aquilo que ainda não entende — antes que o preço da ignorância se transforme em ruína coletiva.

Parafraseando novamente o Chefe Seattle, “o que ocorrer com a Terra recairá sobre os filhos da Terra”. Somos co-autores de nossa história espiritual. Não tramamos sozinhos o tecido da vida, mas somos um fio entre muitos. E quando uma parte se rompe, todo o conjunto enfraquece.

Que nossas preces, mais do que pedidos, sejam compromissos. Que não sejam frutos do medo, mas da coragem de transformar. Que o amor — ainda que ferido, ainda que soterrado sob os escombros da intolerância — resista. Porque enquanto houver alguém disposto a amar no meio da guerra, haverá esperança de paz. E que diante do silêncio das bombas, ainda se ouça o grito mais alto da humanidade: o da compaixão.