Canguçu, quinta-feira, 25 de abril de 2024
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Geisa Coelho: Marininha

Consternada com a dor da família que não sabe como consolar a filha de dois anos que, por um ato covarde e criminoso, perdeu seu cãozinho, sugiro confortá-la com estas palavras:Eu te recebi em festa quando nascestes e, confesso, fiquei com ciúme canino nos primeiros dias. Tentei ser discreto. Fiquei espreitando, silenciosamente, até ouvir teu […]


Consternada com a dor da família que não sabe como consolar a filha de dois anos que, por um ato covarde e criminoso, perdeu seu cãozinho, sugiro confortá-la com estas palavras:

Eu te recebi em festa quando nascestes e, confesso, fiquei com ciúme canino nos primeiros dias. Tentei ser discreto. Fiquei espreitando, silenciosamente, até ouvir teu choro, que aos poucos foi parecendo uma musiquinha. Muitas vezes te confortei. Cuidamos um do outro, brincamos até adormecer.

Sou grato por cada vez que te vi sorrir, por cada vez que fomos passear, por teres me permitido ter a quem amar. Sinto pela tristeza que minha partida causou. Também eu fui surpreendido; não pensava te deixar tão cedo.

Quando começaram as dores, Marina, pensei em te procurar para dizer que tomasses cuidado. Não consegui.Temi por ti e por tua segurança porque nesse mundo há homens tão pobres que não sabem dividir e sequer aprenderam a amar. Por isso eu queria estar aí, agora, para cuidá-la, protegê-la, para fazer companhia enquanto assistes desenhos na TV, ou passeias ao sol. Embora eu tenha estraçalhado um ou outro de nossos brinquedos, creio ter cumprido minha missão de zelar por ti. Sei que estás bem com teus pais e eu vou encontrar um mundo só de cães onde vou brincar muito.É claro, vou sentir tua falta, Marina, porque um cão precisa ter alguém a quem se dedicar, tanto quanto precisa de liberdade, de carinho e de sol.

Ah…, ia esquecendo…, veio comigo outro amiguinho. Esse não deixou ninguém. Não teve a sorte de ter um lar, mas ganhou um nome e a amizade de algumas pessoas e, com isso, um pouco de dignidade. Olha, ele que sempre dormiu na rua está muito feliz por ter uma nuvem quentinha, um conforto a dor.

Tudo ficará bem conosco. Não teremos mais que conviver com o medo de ser roubados e ser presos em pequenos espaços úmidos, sombrios e gélidos; não suportaremos dores, nem agressões,nem a fome nem o frio a que muitos que sobreviveram a esse cruel ataque estão sujeitos.

Marininha, tu sabias que o céu visto daqui,é o mesmo céu que vemos daí?Mas as estrelas… Marina, o brilho delas vem dos olhos de pavor dos animaizinhos. Daqui eles que olham carinhosamente para a terra confortando seus donos que ficaram sofrendo por amor. Eu, Marina, sereia maior estrela que avistares.A tua estrela! Prometo que minha luz jamais se apagará e será tão intensa a ponto de iluminar as pessoas que se tornaram covardes por falta de amor.Quem sabe elas se tornem mais sensíveis, mais humanas.Agradeço os dias maravilhosos que passei ao teu lado. Obrigada pelo nome que me destes, pela amizade e pelo lar.

Não lamentes mais, querida Marina! Dá um tempo a tua dor. Assim que ela aliviar, a minha também terá passado e tu me encontrarás sempre que olhares à noite para o céu. Diz a todos que eu fui muito feliz com vocês!

Billy